Medo da morte?
“As saudades que sentimos,
E são medula dos ossos,
Mostram bem que pertencemos
Àqueles que foram nossos.”
(Luiz Cordovil)
Na realidade o homem tem este sentimento de saudade pelo facto de ter memória e desejar lembrar os bons momentos porque já passou. Só temos saudades de pessoas que nos são queridas e estão afastadas por qualquer motivo e, em consequência, desejamos repetir situações agradáveis em conjunto com essa mesma pessoa.
A saudade traz-nos uma sensação triste de não conseguirmos suplantar essa felicidade inatingível neste momento, mas misturada com a esperança de a virmos a satisfazer de novo mais tarde, no futuro. É poderosa como um íman que atrai para reunir mas deve ser cultivada como uma planta que precisa ser regada desde que não seja em demasia. A saudade, quando se lhe dá muita importância pode-se transformar em paixão. Se a primeira é saudável e desejável, já a segunda se torna doentia e viciosa. A primeira é uma característica superior humana, enquanto a segunda se configura a desejos inferiores que aproximam o homem do animal. Ora a diferença está, apenas, em se saber, ou não, gerir este sentimento.
Se o que está escrito acima é fácil de entender e de praticar entre vivos – alimentar a saudade na esperança de revermos as pessoas queridas, já é mais difícil de entender quando se trata de pessoas que já morreram. É que neste particular, ou se tem fé na vida eterna e conseguimos desenvolver este pensamento para com o defunto acreditando que nos havemos de reencontrar na comunicação dos santos, ou, para quem não tem fé, a rejeição da possibilidade deste reencontro torna-o muito mais doloroso.
Para o crente esta vida terrena é passageira, “sabendo que todo o tempo que passamos no corpo é um exílio longe do Senhor” (2ª Cor 5, 6) e “cheios de confiança, desejamos sair deste corpo para habitar com o Senhor” (2ª Cor 5,8). Deste modo uma pessoa idosa ou doente não teme a morte como uma inimiga, mas deseja-a como uma passagem necessária.
A nós, familiares e amigos, compete-nos dar-lhes a melhor qualidade de vida possível (fisicamente falando) enquanto for possível, mas sempre lembrando-nos de que o seu corpo está sofrendo – é que por vezes o nosso desejo de mantermos uma ‘vida quase artificial’ é puro egoísmo pelo nosso medo de perdermos o contacto com esse ente querido, esquecendo o seu desejo de alcançar a vida sem ocaso e considero contraproducente que se engane o paciente não o ajudando a preparar para esse momento importantíssimo da partida.
Diz-nos S. Paulo que “ainda que em nós se destrua o homem exterior, o interior renova-se diariamente” (2ª Cor 4, 16).
Saibamos transformar o nosso sofrimento de saudade na esperança da ressurreição.