Brado se ouve, perdido
Brado se ouve, perdido,
Em noite negra, de breu:
Cuidado, que é bronco e bruto!...
Brâmane, caído do céu…
Com vozes mansas e falas
Vai enganando o pagode,
Pois diz tudo quanto pode
Em cafés, salões e salas.
Dir-se-á: “Que não te calas?”
(num som bastante contido)
Pois é grande o respeitinho,
Vazio d' amor e carinho…
Em tom bastante sentido,
Brado se ouve, perdido…
Parece a história uma roda,
Vai girando sem parar…
Seja com pressa ou vagar,
O qu’ interessa é estar na moda
Nem que precise de poda.
A quem não seja co-réu
Custa a compreender:
Como se pode viver
Tão amorfo, tão incréu
Em noite negra, de breu?!?
Lançam-se aos olhos poeira,
Numa acção psicológica,
E bastante demagógica
Que não tem eira nem beira,
Nem é uma brincadeira.
Tem veneno muito fruto,
De cores lindas, atractivo,
Tentador, convidativo…
Mas tal como escorbuto,
Cuidado, que é bronco e bruto!...
Quem muito se julgará,
Tal qual pavão emproado,
Depressa fica embotado,
E perdido, ao deus dará,
Nessa cama que fará
No alto dum botaréu.
Aí dormirá melhor
Pr’a qualquer lado, a supor
Que é artista com troféu,
Brâmane, caído do céu…
‘O Caldeira’, de Castelo Branco