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decordovanaturais

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Nos últimos dias apareceram em letra muito pequenina nos jornais da nossa terra alguns anúncios de instituições de solidariedade social convocando assembleias gerais para dois assuntos:

-  aprovação do orçamento do próximo ano e

- pedido de autorização para que os membros dos corpos sociais se possam candidatar a mais de dois mandatos consecutivos.

Embora se compreenda que os tempos vão austeros e é necessário poupar, seria conveniente que estas convocatórias fossem escritas em letra bem legível para que os interessados (os associados com direito a voto) tivessem conhecimento da chamada às urnas. É que estes anúncios, pelo tamanho que ocupam na página, passam despercebidos daqueles que ‘só leem as gordas’.

Algumas instituições, levando em consideração a dificuldade em congregar a plenitude dos seus membros, juntaram numa única agenda os dois pontos, aumentando assim a probabilidade de ter votantes.

Qual será a importância destes dois assuntos que levam a convocar as assembleias gerais?

A aprovação do orçamento significa que os associados estão de acordo com os objectivos propostos para o próximo exercício económico e autorizam que se façam determinadas despesas para os alcançar. Tentar-se-á certamente que o montante das despesas seja inferior ao das receitas previstas com a realização dos mesmos. Será, podemos dizer, como que a rédea necessária para conduzir a instituição. Pode ser uma rédea curta ou larga conforme o interesse que os eleitores tenham na condução da organização e da confiança que tenham nos corpos sociais eleitos.

Quanto ao pedido de autorização para exceder os dois mandatos consecutivos leva-nos a uma análise mais exaustiva.

Em primeiro lugar devemos perceber o articulado do nº 4 do artigo 57º do Dec-Lei 119/83, de 25 de Fev que diz textualmente: “Não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de dois mandatos consecutivos para qualquer órgão da associação, salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”. Esta legislação é a que rege as instituições particulares de solidariedade social e serve de base aos estatutos particulares de cada instituição.

Temos de distinguir aqui dois aspectos –o espírito e a letra da lei.

Este preceito é aqui colocado para precaver a necessidade dos corpos sociais se renovarem. Lembremos que não se trata de uma sociedade comercial com proprietários que visam o lucro e é gerida com o intuito de rentabilizar o capital investido, pelo que a gerência é feita pelos detentores de maiores quotas, mas sim de organizações sem fins lucrativos, sem capital e portanto sem donos. O não ter donos e o não ter fins lucrativos não pode ser sinónimo de desprezo ou desinteresse. Os corpos sociais destas instituições têm normalmente mostrado uma entrega e dedicação que terá de ser reconhecida e apreciada tanto pelos associados como pelos beneficiários das várias valências. São horas de colaboração, são arrelias e muitas vezes responsabilidades no cumprimento do seu papel de gestores. Bem hajam.

No entanto verifica-se por vezes que as pessoas ao ingressarem nestes corpos directivos se embrenham tanto que passam a sentir a organização como sua posse e não querem sair. E é este o problema. É verdade que nalgumas destas instituições, nalguns meios mais pequenos, há dificuldade em encontrar massa crítica com conhecimentos suficientes e disponibilidade em tempo ou posses financeiras para as conduzir e então, não aparecendo outros, os que estão têm de continuar. Mas sempre que possível tentem chamar gente mais nova para se ir preparando na assunção destas responsabilidades. É importante que apareçam ideias novas pois os tempos são de mudança e essas inovações surgem mais facilmente encontradas por quem entra de novo do que por quem está ’instalado’ na situação.

É diferente uma pessoa ou equipa que cria um projecto para cinco ou seis anos e talvez o pretenda terminar no triénio seguinte do que outra que se encontra há doze ou mais anos e pretende prolongar a sua estadia. Haverá outros, talvez não tão competentes, mas que também darão o seu melhor e trarão uma visão renovada com vantagem.

A letra da lei é clara: “salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”. A assembleia geral é soberana mas deve estar esclarecida sobre a impossibilidade ou sobre a inconveniência. E quaisquer destes dois predicados não devem ser definidos à partida pelo corpo executivo mas antes reconhecidos pelo órgão deliberativo quando, por exemplo aprova um orçamento e verifica que só determinadas pessoas, pelos seus conhecimentos técnicos, serão capazes de levar a bom termo essas tarefas, embora já tenham ultrapassado os dois mandatos. No entanto é diferente um terceiro ou um sexto mandato consecutivo.

Aparecem as referidas convocatórias pedindo estas autorizações porque alguma instância superior terá chamado a atenção para a ilegalidade de anos anteriores. Também o rapaz da história gritou “o rei vai nu” e só a partir daí as pessoas constataram o facto…

Não seria conveniente que muitos dos corpos sociais que propõem este pedido lessem as estrofes 94 a 97 do Canto IV de ‘Os Lusíadas’?

O ‘Caldeira’, de Castelo Branco