Estive dia 6 de Fevereiro em Lisboa, assistindo a uma Mesa redonda intitulada “O Programa Nacional de Microcrédito: Passado, presente e futuro”, integrada no 10º aniversário da CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social.
Depois de escutar todos os oradores que apresentaram resultados bastante satisfatórios do crédito concedido a PME e a Microempresas, potenciador da criação de emprego e de muito auto-emprego, verifiquei que não tinha sido dita uma palavra acerca do Sobre-endividamento.
Há em Portugal milhares de pessoas que acreditaram na publicidade enganosa de instituições de crédito, incentivando ao consumo e, que de repente, acordam sem capacidade de resolução das suas dívidas, ou porque não souberam refrear uma fome consumista, ou porque subitamente ficaram desempregadas, as suas receitas diminuídas, ou outras despesas urgentes e inesperadas apareceram, ou… acabarem em famílias destruturadas, com problemas psicológicos bastante depressivos e com uma ínfima capacidade de trabalho com qualidade porque ‘a cabeça fica sempre a matutar na solução para esse dia’…
Se eu bem entendi das palavras do Dr. António Curto, ex-coordenador do PNM – Programa Nacional do Microcrédito, cerca de 40% dos beneficiários da linha de crédito intitulada ‘Ser Mais’ desistem nos primeiros dois anos de execução do investimento(1). Mesmo assim é considerado positivo pela criação de emprego alcançada. É um risco mensurável e de certo modo controlado pelo apoio continuado aos promotores pelas entidades que lhes dão apoio.
Estou convicto que criando uma outra linha de crédito dentro do Microcrédito, para os Sobre Endividados, a que poderíamos designar por ‘Deixar de Ser Menos’ , com a mesma taxa de juro – 3,5% ao ano, toda a economia nacional seria beneficiada posto que o diferencial dos juros pagos a menos pela redução das taxas obscenas que chegam a rondar os 20% serviria para capacitar os seus beneficiários à amortização efectiva das suas dívidas, ao aumento da produtividade de trabalho pois deixaria de haver tanta noite mal dormida, à diminuição do consumo de anti-depressivos. Asssim melhoraria a qualidade de vida destes cidadãos que neste momento se arrastam envergonhados e que poderiam voltar a ser consumidores conscientes…
Ao tentar ajudar pessoas nestas circunstâncias contactei com algumas instituições que se dizem especializadas na resolução do sobre- endividado e fiquei admirado com a solução dada: - prolongamento do prazo de amortização, o que se traduz apenas no aumento dos custos financeiros e continuação do estrangulamento em que estes devedores vivem.
A solução, quanto a mim, terá de passar pela diminuição da dívida, responsabilizando as entidades financeiras pelo facilitismo com que concederam os créditos sem atender às capacidades de endividamento dos clientes e pelo abaixamento das taxas de juros aplicadas através de linhas de crédito criadas para o efeito ou bonificação a estas entidades nesse sentido. Igualmente será necessário haver um acompanhamento de proximidade para formação ou consciencialização para um consumo consciente e responsável.
Apercebo-me que até agora as instituições de crédito e as entidades de apoio aos endividados estão mais virados para os seus próprios lucros e benefícios do que para o interesse geral da sociedade, isto é, para a resolução plena deste problema. Uma destas entidades disse-me que estes endividados terão de resolver o seu problema pedindo ajuda na Segurança Social. É certo que a Caritas, nas paróquias, é assediada para tapar buracos, pagando água, luz, telefone, remédios, comida… Mas isto não é solução! É uma panaceia e não um curativo.
Na Casas de Sant’Ana e S. Joaquim, crl, em Évora, estamos abertos a tentar ajudar estas pessoas com formação própria e, talvez, através da criação de um banco de solidariedade social como tantos que estão a desenvolver-se na América Latina, mas para isso é necessário que haja legislação nesse sentido.
Nuno Potes Cordovil
(1)
"Agradecemos a informação que partilhou connosco, a qual mereceu a nossa atenta leitura. Porém, alertamos que o Dr. António Curto não afirmou que “cerca de 40% dos beneficiários da linha de crédito intitulada ‘Sou Mais’ desistem nos primeiros dois anos de execução do investimento”. Aquando dessa referência, o Dr. António Curto referia-se à mortalidade da generalidade das microempresas." Mariana Baptista - CASES