A Justiça de Deus é suplantada pela Sua Misericórdia desde que haja arrependimento do homem
Os relatos da criação do mundo apresentados em Génesis 1,1 – 2,4 e de 2,5 – 25 são semelhantes por apresentarem um único Deus Criador, Omnipotente, Omnipresente e atento às Suas criaturas, e são diferentes na forma como descrevem os passos dessa mesma criação.
O primeiro faz uma descrição das várias fases ou épocas em que se vai desenvolvendo esta acção criadora e ‘enuncia-as’ como dias de uma ‘semana’ com o objectivo de ensinar ao povo que o descanso semanal faz falta por dois motivos: reservar um tempo para oração e louvor a Deus e para recuperaras forças aos homens e animais (e até a própria natureza, ao propor o ano sabático). Também é pedagógico apresentar o ‘fazer’ do homem, à imagem de Deus, como último elemento, ou seja, como cúpula de toda a criação de que lhe deu o domínio.
Esta versão, chamada Javista por tratar a Deus por Javé, foi desenvolvida no tempo de David e de Salomão, numa época em que o povo de Israel, vizinho de vários povos que adoravam falsos deuses, se deixava facilmente desencaminhar e era importante mostrar que Israel adorava o verdadeiro Deus que tinha mostrado o Seu braço forte ao longo da história – Tudo é criado por Deus e o homem deve dominar sobre tudo, por desígnio divino.
O segundo relato (ou Sacerdotal), resumindo a restante criação e dando um enfoque especial ao homem, pois o formou do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida e o homem transformou-se num ser vivo (Gn 2,7) mostra bem a predilecção de Deus pela humanidade, a quem insufla vida, isto é, o Seu espírito, que os restantes animais não possuem. Mas mostra também o cuidado que tem para com esta criatura, que não deseja solitária mas em comunidade, pelo que lhe dá de imediato um auxiliar semelhante a ele – a mulher, pois nenhum dos animais era auxiliar adequado, o que significa que aos olhos de Deus o homem e a mulher são semelhantes, formam uma só carne.
Esta versão da criação descrita em Gn 2, 5 -25 é redigida no tempo do exílio, para um povo desmoralizado e disperso, servindo como veículo de coesão para a Família, assente num culto divino que se apoia nessa atenção amorosa que Deus tem para com Israel, tanto nas horas alegres, de riqueza e despreocupação mas também nas tristes, tanto com os justos mas também com os pecadores, pois todos verificam que castiga o pecado mas continua a velar pelo pecador. Assim, depois de decretar o castigo à mulher e ao homem (cf Gn 2, 16 -19) o Senhor Deus fez a Adão e à sua mulher umas túnicas de peles e vestiu-os (Gn2, 21); Também depois de castigar Caim pelo crime de matar seu irmão Abel, Deus marcou-o com um sinal para que ninguém matasse Caim (cf Gn 2, 14 -16); Vemos como Deus reconhecendo que a maldade dos homens era grande sobre a terra, que todos os seus pensamentos e desejos tendiam sempre e unicamente para o mal, se arrependeu de ter criado o homem sobre a terra e o Seu coração sofreu amargamente (Gn 6, 5-6) decidiu eliminar o homem faltoso, mas tendo Noé achado graça aos olhos do Senhor decidiu recomeçar uma nova sociedade e uma nova aliança, com a família deste a quem salvou juntamente com um casal de cada espécie animal. Vê-se nitidamente uma catequese sobre a Justiça de Deus mas onde prevalece a Sua Misericórdia; Como os homens se encheram de orgulho e soberba, pretendendo fazer-se semelhantes a Deus, foram envolvidos na confusão e dispersos sobre a terra por não se entenderem, mas ainda agora o Senhor escolheu Abrão para acordar com ele e sua posteridade uma outra aliança de amor, que não aceita sacrifícios humanos embora selada pela oferta generosa do seu filho único – Isaac, mas gérmen de uma fé absoluta que lhe transformou o nome para Abraão. A história destes primeiros patriarcas está cheia de momentos de entrega e outros de rebeldia, mas nem mesmo assim o Senhor deixa de confirmar a sua aliança com Isaac, com Jacob… Salvou o Seu povo pela mão de José que os irmãos tinham vendido, libertou-o por meio de Moisés, deu-lhe uma Lei no Sinai que por vezes foi ignorada apesar das advertências dos juízes e profetas e por isso castigada, até à nova dispersão e escravidão. É já numa altura de arrependimento que os sacerdotes e profetas voltam a anunciar o retorno e a confirmar o Amor de Deus, onde este relato é significativo.
A Justiça de Deus é suplantada pela Sua Misericórdia desde que haja arrependimento do homem.