Pode a arte ajudar o percurso de fé?
A arte e a fé sempre andaram de mãos dadas.
Já nos desenhos paleolíticos se verifica que muitos dos figurativos descobertos nos reportam para cenas de caça como votos de vir a ter uma boa caçada, talvez como um pedido à divindade para ajudar a solucionar o problema.
Também nos desenhos egípcios nos reportam (tanto quanto a nossa capacidade interpretativa deixa) a questões como a vida para além da morte, num desejo de comunicação com a divindade.
A arte cristã, talvez se apoie bastante mais na tradição grega ou romana do que na tradição judaica, onde era proibido representar figuras que fizessem ligações a Deus: Não farás para ti imagens esculpidas, nem qualquer imagem do que existe no alto dos céus, ou do que existe em baixo, na terra, ou do que existe nas águas, por debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhe prestarás culto, porque Eu, o Senhor, teu Deus, sou um Deus cioso que pune a iniquidade dos pais nos filhos, até à terceira e quarta geração daqueles que me ofendem (Ex 20, 4- 6ª)
Esta prescrição, dentro dos Mandamentos de Deus, reporta-nos para o perigo da idolatria a que estava sujeito o povo judeu, monoteísta, no meio de povos idólatras, com imensas figuras dos seus ídolos. Em todo o caso, devemos referir que mesmo assim Deus deu esta ordem na construção da Arca da Aliança: Depois farás dois querubins de oiro…Estes querubins terão as asas estendidas para diante, cobrindo o propiciatório, com os rostos voltados um para o outro, inclinados para o propiciatório sobre a arca. (cf Ex 25, 18-20) , ou ainda O Senhor disse a Moisés: Faze uma serpente ardente e coloca-a sobre um poste. Todo aquele que for mordido, olhando para ela, viverá. (Nm 21, 8). Tanto num caso como noutro, não vejo sinais de idolatria, pois os próprios querubins mostram uma posição de reverência para com as pedras dos mandamentos que estavam guardadas dentro da Arca (e não estavam à vista do povo pois a Arca ficava no Santo dos Santos e, quando saía, estava tapada); também a serpente não era um ídolo, mas um sinal para não se afastarem do acampamento, antes uma prefiguração de Jesus Cristo, que seria suspenso do madeiro da cruz.
Tanto a Igreja Católica como, mais tarde, a Igreja Ortodoxa interpretaram esta norma como um obrigação da Lei do Antigo Testamento, libertando-se assim deste preceito (os Ortodoxos só aceitam ícones e não imagens em três dimensões). Mais tarde os protestantes e algumas heresias apostaram na inoclastía ao afirmarem que só se pode adorar a Deus que é invisível e portanto proíbem as imagens de santos e do próprio Cristo, permitindo apenas a Cruz simples, como sinal de que o Senhor está vivo.
Ora a Igreja Católica aceita que de facto só se pode adorar a Deus, aliás como nos manda Jesus: Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto (Lc 4,8) mas permite as imagens para recordar os feitos de heróis que podem e devem ser imitados, os Anjos e os Santos, e dum modo especial a Nossa Senhora como Mãe de Deus.
Temos assim três modos de prestar culto a Deus:
- Latria ou adoração – que só é devida a Deus;
- Dulia ou veneração – que, sendo prestada aos anjos e santos como criaturas de Deus, nos devem levar também à adoração ao Senhor a quem eles também adoram;
Hiperdulia – a veneração a Nossa Senhora pela Sua posição especial enquanto Mãe de Jesus e, portanto, Mãe de Deus.
É verdade que muitas vezes alguns católicos prestam um culto a Maria e a alguns santos que mais parece idolatria, o que está errado. Maria e os santos devem conduzir-nos sempre para a adoração a Deus.
Como a arte tem servido este intento de dar mais glória a Deus?
Se de facto Deus é invisível, como O podemos referenciar de modo objectivo? Através da oração, oral, escrita e figurativa. Tanto a construção dos grandes templos como os seus acessórios como paramentos litúrgicos, objectos de culto, quadros e imagens servem apenas para engrandecer a nossa capacidade de O louvar e bendizer.
Pessoalmente, considero que por vezes se abusa um pouco da riqueza aplicada nestes bens corporais, quando ao lado se constata a pobreza e a fome de muitos. É facto que pobres sempre os tereis, e o dinheiro dispendido ao longo dos séculos serve ainda hoje para nos ajudar a honrar a Deus, como os nossos antepassados o fizeram.
O Evangelho transmite-nos a missão de Jesus, o Filho de Deus, que veio resgatar a humanidade do pecado original. Não apenas se pode representar em palavras mas também em figurativo, como é o caso do retábulo “Túmulo Aberto”, aliás como é tradição da Igreja. No Alentejo, designadamente onde havia muita iliteracia, pelos campos fora podemos deparar com muitas capelas que são verdadeiros catecismos através de frescos, pinturas e imagens.
Não sou grande conhecedor de arte mas constato que o bonito me ajuda a encontrar a Paz de Deus. E este trabalho de D. João Marcos fez-me sentir com esta vontade de bendizer o Senhor.